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Quem dera a publicação no Diário Oficial da União que permite o uso da fosfoetanolamina sintética, a chamada ¿pílula do câncer¿, dissipasse todas as dúvidas acerca da substância. Apesar da sanção da presidente Dilma Rousseff à lei que não só autoriza a utilização por pacientes com diagnóstico de neoplasia maligna como legaliza a produção e a distribuição do produto, entidades médicas e civis que lutam pela cura do câncer temem que a falta de informações – fruto de estudos incompletos sobre a fosfo – provoque uma confusão generalizada no tratamento de pessoas que optarem pela substância.

– É preciso colocar a paixão de lado e entender de maneira técnica essa substância – avalia Fábio André Franke, oncologista clínico e presidente da Aliança Pesquisa Clínica, entidade civil que luta pela regulamentação e agilidade de pesquisas clínicas no Brasil.

Sem o registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a aprovação do uso da fosfo é objeto de discussões nos âmbitos técnico e ético da pesquisa científica do Brasil. Pesquisadora do Laboratório de Pesquisa em Bioética e Ética na Ciência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Márcia Santana Fernandes considera a sanção da lei ¿um dos maiores absurdos científicos¿ do século no Brasil. Ela lamenta que a substância tenha sido aprovada sem critérios técnicos e desconsiderando avaliações de especialistas e teme pelos riscos a que a medida pode expor a população. Para o oncologista do Hospital do Câncer Mãe de Deus Stephen Stefani, a fosfoetanolamina é mais uma terapia dita alternativa, sem efeito.

– Terapias complementares, como acupuntura, sim, têm resultados positivos para o paciente. Mas nenhuma das terapias ditas alternativas se mostrou melhor do que um placebo – diz.

Confira abaixo 10 perguntas que não são esclarecidas na lei e que podem implicar problemas no uso da fosfoetanolamina sintética:

Para quem o paciente entrega o termo de responsabilidade?

A lei não responde à questão. De toda forma, os médicos estão excluídos da decisão de usar a fosfo, que cabe exclusivamente ao paciente. Os médicos também não serão responsabilizados por eventuais danos porque não pretendem prescrevê-la para tratamento do câncer, mas garantem que, se procurados por pacientes que apresentarem complicação pelo uso da substância, prestarão atendimento, ainda que não concordem com o uso da fosfo.

Como o paciente deve proceder?

Não se sabe qual será o caminho para obter a medicação.

Onde o paciente vai retirar a substância? Ou ele vai ter de comprar?

Não está claro onde a medicação será distribuída e tudo indica que isso não será feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com o presidente da Aliança Pesquisa Clínica, o oncologista clínico Fábio André Franke, para ser distribuído pelo SUS, um medicamento precisa passar pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), que exige em sua apreciação ensaios clínicos do produto, o que a fosfoetanolamina ainda não tem. A brecha na lei, ressalta Franke, seria lançar a fosfo como suplemento alimentar, que não carece de aprovação da Anvisa.

Qual deve ser a dose diária para cada paciente?

Sem testes que verifiquem os níveis de tolerância para a substância, não há como saber qual a dose indicada para cada paciente. O médico oncologista do Hospital do Câncer Mãe de Deus Stephen Stefani ressalta ainda que, em situações singulares, como comprometimento renal, é preciso, na maioria das medicações, fazer ajustes na dosagem. No caso do uso da fosfoetanolamina, os médicos não teriam parâmetros para indicar um consumo adequado e que não ofereça riscos ao paciente.

Qual será o preço do medicamento?

Via de regra, o preço de uma medicação considera fatores como custos com investigação laboratorial, testes e manufatura, além de gastos com tributos e divulgação. Como a fosfoetanolamina não cumpriu todas as etapas de pesquisa exigidas e consideradas, não se sabe quanto poderá custar.

– O pior nisso tudo é que é um recado para a indústria farmacêutica de que não precisa gastar milhões em pesquisa para começar a produzir um medicamento no Brasil. É o Poder Executivo indo contra as suas próprias regras, colocando o país como irresponsável na pesquisa científica – avalia a pesquisadora do Laboratório de Pesquisa em Bioética e Ética na Ciência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre Márcia Santana Fernandes.

Haverá uma bula? O que constará nela?

A bula é o ¿manual de instruções¿ de uma medicação. Nela constam, por exemplo, contraindicações, possíveis efeitos colaterais, toxicidade, quem não deve consumir o produto e reações adversas observadas nas pesquisas. Como a fosfoetanolamina não passou pela maioria das fases de estudos que poderiam completar essas informações, não há muito o que colocar em sua bula.

– A bula da fosfo será uma folha em branco – diz o oncologista Stephen Stefani.

Em nota, a Anvisa questiona: Na embalagem haverá data de fabricação e de validade e as informações que permitem identificar o lote produzido, em caso de ocorrerem eventos adversos?.

A fosfo será produzida por quem?

Teoricamente, somente laboratórios autorizados pela Anvisa para a produção de medicamentos. Em nota, a agência lamentou o atropelo da lei e reforçou: ¿as exigências vigentes no Brasil para que um medicamento tenha sua produção e comercialização autorizadas são similares às que existem em todos os países desenvolvidos e visam a garantir que o produto tenha sua qualidade, segurança e eficácia comprovadas, protegendo a saúde da população. A Lei nº 13.269, em posição singular no cenário internacional, transforma em `medicamento¿ autorizado uma substância que não realizou quaisquer desses estudos.

Pior ainda: colocada no mercado por força dessa lei, a substância fosfoetanolamina poderá estar completamente fora das ações de controle sanitário¿. Um laboratório de Cravinhos, no interior de São Paulo, está produzindo a fosfo para enviar um lote ao Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) para testes até o começo do próximo mês. O Supremo Tribunal Federal (STF) não autorizou a USP a produzir a substância, por entender, entre outros pontos, que essa não é a atividade fim da universidade.

Quem fará o controle de qualidade?

Em um projeto de pesquisa tradicional, dados e protocolos são esmiuçados e encaminhados à Anvisa, para avaliação e controle antes da aprovação e para futura fiscalização. Como a lei estaria contrariando a legislação nacional quanto à produção de medicamentos e condução de projetos de pesquisa com base em padrões éticos, é confusa a responsabilização em caso de problemas devido ao consumo, mas via de regra, os órgãos sanitários devem fiscalizar a qualidade do produto.

Para que tipos de câncer ela é recomendada?

Não há estudos suficientes para esclarecer a questão. Os médicos duvidam com veemência da capacidade de a substância aplacar todos os tumores. Primeiro, porque há dezenas de tipos de câncer e cada um com um prognóstico e manejo diferentes. Um teste com fosfoetanolamina em melanoma de ratos mostrou redução de células tumorais. Segundo Stefani, redução semelhante também se observa com o uso de etanol, o que não significa vantagem clínica para pacientes humanos.

A pesquisadora Márcia Santana Fernandes ainda aponta problemas no texto da lei:

– Neoplasia maligna é um termo muito amplo. Como será o controle desses pacientes? A fosfo pode causar algum efeito adverso se combinada com outros medicamentos de uso contínuo?

Somente testes clínicos com a substância poderiam elucidar a questão. O temor dos médicos é de que, na ânsia compreensível pela cura do câncer, haja o comprometimento do tratamento de outras doenças, como diabetes e hipertensão, por exemplo, expondo os pacientes a outros riscos, com sérias consequências. A combinação da substância com medicamentos de uso contínuo não foi estudada.

Fonte: Zero Hora

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Manifestação sobre a CPI da Fosfo

A Aliança Pesquisa Clínica Brasil vem a público manifestar-se sobre o Relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo sobre o estudo de eficácia da fosfoetanolamina sintética, a chamada “pílula do câncer”.

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