Os que subscrevem o texto em nome das respectivas entidades, através da legítima participação democrática do debate republicano, em contraposição ao disposto no texto do PL200/12015, cometem um grave equívoco de origem ao tentar macular a imagem de legítimos representantes do povo Brasileiro, importantes senadores da república, de diferentes partidos políticos, ao tentar imputar-lhes e a esta Egrégia Casa Legislativa, através do PL 200/2015, a acusação de se “retirar da sociedade Brasileira o controle das pesquisas clínicas com seres humanos”.
Como muito bem lembrado pelos senadores Ana Amélia, Waldemir Moka e Walter Pinheiro, autores do projeto, no evento de 15 de abril do corrente no Senado Federal no auditório interlegis, o 1º. Seminário da Aliança Pesquisa Clínica Brasil, entidade que agrega várias associações de pacientes, pesquisadores, instituições médicas e científicas de todo o Brasil, o PL 200/2015, é a primeira e real oportunidade de se criar um marco legal efetivo para a regulamentação da pesquisa clínica no Brasil, há muito desejado por todos, haja vista a fragilidade do atual sistema, por força de resoluções infralegais, que nada primam pela eficiência e que, ao contrário, negam o acesso dos brasileiros às terapias inovadores e retira da sociedade médica e científica nacional a oportunidade de participar do estado da arte das ciências médicas e biológicas, como as nações mais desenvolvidas. O PL 200/2015 está, portanto, aberto a sugestões e à participação de todos.
No que concerne as afirmativas do terceiro parágrafo do aludido texto (cebes.org.br), pode-se depreender que o PL 200/2015 tem como fundamento a harmonização regulatória com os as Diretivas Internacionais que regulamentam a matéria em todo o mundo, respaldadas pela Conferência Internacional de Harmonização (ICH-CIOMS)) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os termos e definições do PL 200/2015 não deixam dúvidas a este respeito, se assim desejarmos lê-los com a devida isenção sem os viéses conhecidos como aquele aludido no segundo parágrafo da respectiva matéria publicada em epígrafe, de que “...beneficiaria interesses dos grandes conglomerados da indústria da saúde”, termos esses que não constam de nenhuma parte do texto do respectivo PL, mas que – pode-se inferir-, continuam fazendo parte do imaginário de alguns.
De outro modo, entendemos que a fundamentação jurídica relativa à matéria ( PL 200/2015) foi devidamente esmiuçada e já debatida ao longo dos últimos anos, com base no parecer do eminente jurista, professor Luís Roberto Barroso – hoje, Exmo. Ministro do Supremo Tribunal Federal -, intitulado “UM SISTEMA SEM LEI: PESQUISAS CLINICAS E ÉTICA EM PESQUISA NO BRASIL” : Ementa 1, O sistema Brasileiro de revisão de ética em pesquisa padece de problema grave no tocante à sua validade jurídica, por ausência de lei que distribua competências e discipline condutas. 2. os órgãos do sistema CEP/CONEP, no desempenho de suas funções administrativas e normativas, estão sujeitos aos princípios constitucionais que regem a administração pública.” Entendemos que o parecer de um dos maiores constitucionalistas do Brasil deve embasar os argumentos e quaisquer inferências que se façam a respeito deste tema, à luz da Constituição Federal. Destarte, é temerário usar o texto constitucional para interpretá-lo conforme se deseja, ao sabor de incongruências e sob a égide de eventuais sofismas, veleidades ou viéses de toda sorte.
Com relação ao disposto no quarto e quinto parágrafos do texto publicado no site do “cebes”, faz-se mister lembrar que no texto do PL 200/2015, procura-se diferenciar “ensaio” de “pesquisa clínica”, conforme definições metodológicas explicitadas em inúmeros livros texto e artigos científicos sobre o assunto, assim como na regulamentação internacional. Como o “ensaio” clínico envolve pesquisas onde há um experimento a que o sujeito ou voluntário de pesquisa consente participar, refere-se, basicamente, aos estudos com finalidade de se registrar produtos para a saúde, sobretudo medicamentos, procedimentos e dispositivos médicos. Portanto, no que consta o art. 8º. da lei 9782/99, remete-se à autoridade sanitária nacional, “...entidade que detém a competência para regulamentar, controlar e fiscalizar produtos e serviços que envolvam risco à saúde”, a responsabiliade que lhe é conferida, o que, alías, é praxe em qualquer país desenvolvido (cf. FDA/CFRs; EMA- European Medicines Agency). No tocante ao caso brasileiro, depreende-se seu viés de origem, uma vez que a atual “regulamentação” em curso foi elaborada antes mesmo da criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária- ANVISA.
As ponderações feitas no parágrafo anterior, servem de clara contrargumentação ao disposto no item 1 do comentário publicado no site do “cedes”. Conforme o texto do PL 200/2015, a análise ética é, como nas diretivas internacionais, dever do comitê de ética em pesquisa, devidamente credenciado, inspecionado e fiscalizado pela autoridade sanitária. Do que se sabe a respeito, autoridades sanitárias no mundo inteiro remetem esta responsabilidade aos comitês de ética, devidamente estabelecidos de acordo com a lei. No Brasil, a ANVISA, já inspeciona os estudos através dos respectivos centros de pesquisa e infere-se claramente que caminha para, cada vez mais, cumprir o papel sanitário que a lei lhe delega.
Há um outro equívoco de leitura ao se confundir o disposto no artigo 1º. “das Disposições Gerais” com o incisso XX do artigo 2º, que comporta as definições. Conforme o texto do PL e as diretivas internacionais, cabe ao investigador a responsabilidade pela condução da pesquisa clínica em qualquer instituição, seja ela pública ou privada. Aliás, diferentemente do que se observa nas resoluções em curso, elaboradas e emendadas conforme os elementos da ocasião, não há claras definições sobre as responsabilidades de todos os envolvidos na pequisa, conforme bem descrito no PL 200/2015, quer sejam as do pesquisador, do patrocinador e do respectivo comitê de ética institucional ou independente. Não consta que as diretivas internacionais sobre ética em pesquisa mudem, a rigor, seus conceitos éticos fundamentais a despeito de algumas revisões (c.f., ICH-GCP E6, 1996.; FDA/CFRs; Diretriz Européia de 2001, revisada em abril de 2014, resguardadas todas as considerações éticas com foco nas mudanças nos prazos de aprovação para se tornarem mais eficientes). Definidas as responsabilidades pela segurança do sujeito da pesquisa, com a devida aprovação de um comitê de ética, não se pode entender como razoável que um outro comitê interfira ou tutele as decisões do primeiro, estabelecido de acordo com a lei.
Conforme parecer do eminente jurista Luís Roberto Barroso, “ A Constituição Federal de 1988 não cuida especificamente da temática da pesquisa clínica e de suas implicações éticas. Afora as garantias individuais e sociais que podem ser associadas ao tema, como a proteção à vida (art. 5º, caput)1 e à saúde (arts. 6º e 196)2 , a Constituição cuida apenas de incentivar o desenvolvimento tecnológico do país, prestigiando o investimento em pesquisa . Com efeito, os artigos 213, § 2º, e 218 da Carta estabelecem de forma geral que o Estado deverá fomentar o desenvolvimento tecnológico, sobretudo das pesquisas desenvolvidas pelo setor privado; e os incisos I e V do art. 200, por seu turno, autorizam genericamente o Estado a investir, ele próprio, no desenvolvimento tecnológico para a área de saúde. Confira-se a dicção dos dispositivos:
1CF, art. 5º, caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)”.
2CF, arts. 6º e 196: “Art. 6°. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (...) Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
“Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;
V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico”.
“Art. 213 (...)
§ 2º - As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do Poder Público” .
“Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a .
§ 1º - A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências.
No plano infraconstitucional e, no que se refere à lei 8142/90 e o decreto 5839/06, explicita o eminente jurista que, “Na realidade, a Lei nº 8.142/90 não dispõe sobre pesquisas clínicas ou sobre os parâmetros éticos a elas aplicáveis, e nem atribui ao CNS competência para tanto. Nada obstante isso, as resoluções do CNS que cuidam do tema declaram extrair da Lei nº 8.142/90 a competência para dispor sobre os parâmetros éticos a serem observados em pesquisas clínicas. As resoluções fazem referência também à Lei n° 8.080/90 , conhecida por disciplinar o Sistema Único de Saúde (SUS). A Lei nº 8.080/904, porém, também não cuida diretamente da disciplina ética em pesquisa, mencionando a questão em seu art. 15, XVII apenas para prescrever de forma genérica a atribuição do Estado de promover articulação com órgãos de fiscalização profissional e outras entidades representativas da sociedade civil para a definição e controle dos padrões éticos para pesquisa.”.
[1] A Constituição se refere especificamente a pesquisa médica ao prever, em seu art. 21, XXIII, b, que: “sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização e a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais”.
[1] A Lei nº 8.080/90 dispõe “sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências”.
Além disso, o parecer também comenta que o decreto 5839/06 que regulamenta a lei 8142/90 referente as delegações e ao funcionamento do Conselho Nacional de Saúde, através das seguintes afirmativas: “Embora a Lei nº 8.142/90 nada mencione sobre o tema, o Decreto nº 5.839/06 – que a regulamenta no que se refere à organização, atribuições e processo eleitoral do Conselho Nacional de Saúde (CNS) – faz uma menção ao tema da ética em pesquisa. Na mesma linha da Lei nº 8.080/90, o Decreto traz disposição genérica (art. 2º, VII), que confere competência ao CNS para “acompanhar o processo de desenvolvimento e incorporação científica e tecnológica na área de saúde, visando à observação de padrões éticos compatíveis com o desenvolvimento sócio-cultural do País. O texto revela que não se pretendeu conferir qualquer competência autônoma de caráter normativo ao CNS para dispor sobre diretivas éticas obrigatórias, a serem observadas em pesquisas clínica.”
3A Constituição se refere especificamente a pesquisa médica ao prever, em seu art. 21, XXIII, b, que: “sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização e a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais”.
4A Lei nº 8.080/90 dispõe “sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências”.
Sendo assim, no texto publicado no “site”do “cebes”, nos parece haver uma leitura jurídica equivocada relativamente aos conceitos sobre o que seja ou não “constitucional”, no que tange ao PL 200/2015, ou mesmo à atual regulamentação; esta sim, violando princípios constitucionais, como refere o eminente jurista em seu parecer.
Ao se ler o item 4 do texto a que fazemos réplica, oberva-se novo equívoco de leitura, relativamente à composiçào dos comitês de ética em pesquisa, conforme já discutido em evento no senado no dia 15 de abril do corrente. Nas disposições gerais do PL 200/2015 no art. 5º. (da Revisão Ética), item VII, há uma clara observância aos princípios do controle social com a participação de repesentantes da sociedade civil, notadamente dos grupos especiais objetos da pesquisa. Bastaria, portanto, que se aperfeiçoe o texto do PL, incluindo-se este conceito “representante dos usuários” na composição do CEP em lugar de “membros não-cientístas”. Isso é o que se lê nos diplomas internacionais que regem a matéria e não se encontram justificativas plausíveis para não se seguir este modelo, exitoso em todo o mundo. Portanto, a observação é válida e, como disseram todos os parlamentares ouvidos até o momento, o PL 200/2015 é, sim, objeto de sugestões e modificações, desde que coerentes, harmonizadas com os diplomas internacionais e sem mistificações de qualquer sorte. O texto precisa ser claro e objetivo e e com a finalidade a que se destina.
Não obstante o que já se argumentou acima, no item 5 do referido texto “cebes”, verifica-se nova evasiva para se macular os termos do PL 200/2015. Ao se negar o valor jurídico de contratos estabelecidos para os ensaios clínicos, de acordo com as leis vigentes no país. usualmente, nos contratos acordados entre as partes, encarrega-se de enumerar as respectivas responsabilidades dos pesquisadores e patrocinadores, às vezes tripartite, comportanto a instituição que abriga o estudo e assegura em suas cláusulas o devido cumprimento das leis vigentes. Os que participam como investigadores num estudo clínico conhecem bem o tema, posto que são signatários deste tipo de contrato. Quanto ao termo “uso do corpo humano”,escrito no texto a que fazemos réplica, torna-se mister lembrar que a ciência ainda não criou nenhuma metotodologia ou tecnologia de ponta em que se possa fazer pesquisa clínica (em seres humanos) sem o “uso do corpo humano”. Isso nos parece redundante, ou mesmo, irrelevante.
Contrapondo-nos ao item 6 do texto “cebes”, inferimos que há uma interpretação equivocada: no capítulo III, da proteção ao sujeito da pesquisa, seçao I, artigos 17º,18º, 19º , 20º , 21º e 22º, assim como no capítulo IV – das Responsabilidades do Promotor e do Investigador-, pois nos artigos 23º e 24º, depreendem-se claramente as medidas de proteção e responsabilidades referentes aos sujeitos da pesquisa, incluindo indenização por eventuais danos e assistência correspondente aos eventuais problemas de saúdes decorrentes da participação no estudo. Esta leitura pode ter escapado daqueles que subscrevem a matéria o que não é incomum, mas é preocupante, tamanha a clareza do texto do PL 200/2015 neste sentido.
Destarte, percebe-se uma certa percepção equivocada por parte de quem elaborou o texto indagativo sobre o PL 200/2015, uma vez que as “questionadas” organizações representativas de pesquisa clínica (ORPCs), são mais que conhecidas, além de importantes atores da pesquisa clínica, uma vez que se especializam na execução de estudos clínicos ou parte deles, como empresas contratadas, quando os patrocinadores ou promotores do estudo não possuem tal expertise ou capacidade executiva disponível intramuros. Estas empresas assumem as tarefas, mas não as responsabilidades do patrocinador, são auditadas e inspecionadas da mesma forma que os centros de pesquisa, para que todos os procedimentos do estudo, qualificação dos profissionais, infraestrutura, integridade dos dados, sistemas de garantia e controle de qualidade implementados, etc., sejam devidamente verificados. As responsabilidades são aferidas à luz das leis em vigor e o PL 200/2015 explicita claramente o tema no seu artigo 41º.
Há uma conhecida mistificação sobre o tema placebo, objeto de discussão num seminário recente organizado pelo CFM e em muitas outras vezes em diferentes fóruns. Quando se afirma que o placebo necessita de justificativas metodológicas e científicas, isso é feito à luz da metodologia científica mais atual, respaldada pela legislação sanitária- quando não é esta mesma que o exige; o uso do placebo-, quando não há tratamento devidamente registrado e de eficácia comprovada para a patologia em questão, conforme registro do produto em teste pela autoridade sanitária. É temerário, sim, usar placebo fora destas condições mas, para isso, exige-se a descrição no protocolo de pesquisa destas justificativas, devidamente apreciadas e aprovadas pelos comitês de ética.
Quanto à obrigatoriedade de sistemas de controle e garantia de qualidade, comete o texto indagativo um questionamento anacrônico e destoante do que se conhece sobre o tema. Conforme o PL 200/2015 e como disposto nas diretivas internacionais, é obrigação do promotor da pesquisa implementar sistemas de garantia e controle de qualidade do estudo. Isto é feito através dos audidores independentes, treinados pelas instituições para detectar eventuais falhas e corrigí-las. Instituições sérias, no mundo inteiro, possuem obrigatoriamente, sistemas de garantia e controle de qualidade altamente sofisticados (princípio da precaução e obrigação regulatória). Já a autoridade sanitária realiza as inspeções e um dos pontos verificados pelos inspetores das agências sanitárias é justamente o sistema de auditoria e controle de qualidade executado pelo promotor. Se isso fosse praxe no Brasil, nossos “sistemas” não deixariam tanto a desejar e estariam em obervância com os princípios que regem a administração pública. Sem sistemas de garantia e controle de qualidade, sequer se deveria considerar a realização de um estudo ou ensaio clínico.
No que se refere as violações ao protocolo, em geral, estas são classificadas pelos achados de auditoria e inspeção como “mínimas, moderadas e críticas”. Portanto, as responsabilidades de todos os envolvidos na pesquisa (investigador, comitês de ética e promotores) que são indissociáveis, estão bem estabelecidas, a bem da proteção do sujeito da pesquisa, conforme expicitato no PL 200/ 2015 e nos diplomas internacionais. Os itens relativos à segurança – relatos de eventos adversos, sérios ou não, notificados dentros dos prazos legais e regulatórios-, correspondem a um capítulo à parte, cercado que é dos devidos cuidados, inclusive com a participação de comitês independentes de segurança, posto que a segurança do sujeito ou voluntário de pesquisa está no cerne das atividades de pesquisa a cargo dos profissionais que a realizam, assim como das autoridades sanitárias e promotores do estudo. Quem já teve a oportunidade de participar diretamente de um estudo ou ensaio clínico foi e deve ser devidamente treinado para isso e conhece bem as respectivas responsabilidades, ou não é qualificado para tal.
Quanto ao item de número 10 do texto publicado no site do “cebes”, esta “diferenciação” entre o tratamento dado a pesquisas com participação estrangeira, usualmente com importantes estudos multicêntricos internacionais, fere frontalmente o princípio constitucional da impessoalidade e, numa segunda dimensão, o da isonomia, conforme parecer do ilustre jurista Luís Roberto Barroso. Vejamos o que o parecer discorre a respeito: “As alterações promovidas pelas Emendas Constitucionais nºs 6 e 7, além de modificarem o texto específico dos dispositivos referidos acima, alteraram também o parâmetro constitucional na matéria. A distinção de regime jurídico aPLicável a capitais nacionais e estrangeiros na ordem econômica deixou de encontrar amparo geral no texto constitucional, de modo que, na linha do que já previa o caput do art. 5º da Carta, o princípio geral passou a ser a igualdade de tratamento, também na ordem econômica5 . A concordância ou discordância em relação a esse formato de Estado podem e devem ser manifestadas nas instâncias próprias. Não se pode, todavia, negar ou falsear uma ordem legitimamente em vigor6 .
5 Roberto Barcellos de Magalhães, Comentários à Constituição Federal de 1988, 1997, p. 252: “A repercussão da Emenda Constitucional n° 6, de uma maneira geral, sobre a economia do país, foi reforçada e amPLiada com o advento das medidas paralelas de flexibilização dos monopólios estatais e com a política das privatizações, criando-se, assim, condições efetivas para que o Brasil possa atrair investimentos estrangeiros de ordem permanente, ao mesmo tempo que permitir a amPLiação dos capitais já investidos no país, agora estimulados pela quebra do regime de inferioridade a que muitas ficavam submetidas, dada a preferência das empresas brasileiras de capital nacional em processos de comercialização de bens e serviços”.
6 É preciso evitar, aqui, uma das patologias crônicas da hermenêutica constitucional no Brasil: a interpretação retrospectiva, pela qual se procura interpretar o texto novo de maneira a que ele não inove nada, mas, ao revés, fique tão parecido quanto possível com o antigo. Quanto a essa postura, vale referir a crítica de José Carlos Barbosa Moreira, O Poder Judiciário e a efetividade da nova Constituição, Revista Forense 304:152, 1988: “Põe-se ênfase nas semelhanças, corre-se um véu sobre as diferenças e conclui-se que, à luz daquelas, e a despeito destas, a disciPLina da matéria, afinal de contas, mudou pouco, se é que na verdade mudou. É um tipo de interpretação em que o olhar do intérprete dirige-se antes ao passado que ao presente, e a imagem que ele capta é menos a representação da realidade que uma sombra fantasmagórica”.
86. Nesse novo cenário, ainda que se entenda que a lei pode vir a instituir tratamentos diferenciados para nacionais e estrangeiros, é certo que a distinção deverá contar com fundamento constitucional e ser especialmente justificada, dado seu caráter excepcional. Ou seja: nos termos da Constituição, hoje, a regra geral é a de que a nacionalidade do capital não é um fator de discrimen relevante, por si só, para autorizar um tratamento diferenciado. Não se descarta que em determinadas circunstâncias a nacionalidade pode vir a ser considerada pela autoridade competente como um fator de discrimen relevante diante da necessidade de se tutelar algum fim ou valor constitucional relevante. Não é esse o caso, porém, no contexto do exame ético de protocolos de pesquisa. Com efeito, e em segundo lugar, inexiste nexo racional e razoável entre a diferença das situações – demarcada pela participação estrangeira – e o tratamento diferenciado criado pela norma, tendo em conta o fim por ela pretendido: proteger o sujeito de pesquisa. Por natural, o risco experimentado por determinado sujeito que se submeta a uma pesquisa clínica com medicamento ainda em fase de teste não é amPLiado ou afetado pela participação estrangeira nessa mesma pesquisa. Os mesmos elementos éticos que perpassam qualquer pesquisa clínica com seres humanos devem ser examinados aqui: segurança do experimento, riscos possíveis, benefícios esperados para o indivíduo submetido à pesquisa e para a sociedade na qual ele está inserido, tratamento dos eventuais danos colaterais, consentimento informado etc.. E nenhum desses elementos parece ter sua análise alterada em razão da eventual participação estrangeira no experimento. Já por essa mesma razão, e em terceiro lugar, o tratamento diferenciado à participação estrangeira criado pela norma em questão não parece compatível com os demais princípios e regras constitucionais. É que se, por um lado, a discriminação prevista nada agrega à tutela da vida ou saúde do paciente (princípios constitucionais que legitimam a tutela ética dos sujeitos de pesquisa), por outro, em razão da burocracia que consagra, pode acarretar concreta restrição ao investimento estrangeiro em pesquisas clínicas, prejudicando a evolução tecnológica do país e contrariando assim o disposto no já referido art. 218 da Constituição Federal.
Isto posto, depreende-se deste parecer os sólidos argumentos para a inconstitucionalidade de se tratar empresas nacionais de controle de capital estrangeiro, diferentemente das outras: Disso, não há fugir.
No que concerne o item 12 da publicação no site do “cebes””, o PL 200/2015 remete à autoridade sanitária compentente (art. 8º. da lei 9782/99), por suas atribuições legais, a tarefa de se regular o tema do registro, inspeção e funcionamento dos CEPs. Portanto, caberá a ANVISA as atribuições legais que já possui, uma vez que já inspeciona os estudos e monitora o acompanhamento dos dados de segurança (farmacovigilância), além da análise dos dossies para registro de produtos para a saúde, incluídos em resoluções publicadas recentemente. A ANVISA pode – e deve - perfeitamente instrumentalizar-se para exercer estas funções com a competência técnica que lhe é atribuída em lei.
Quanto a remuneração de voluntários de pesquisa dos estudos de fase I, conforme o disposto no PL 200/2015, entendemos não ser cabível um voluntário sadio consentir que participe de uma pesquisa de fase I (testes da dose máxima tolerada e estudos farmacocinéticos), onde não há benefícios terapêuticos, posto que, sadios são – salvo em casos de fase I em doenças raras e câncer onde os voluntários são pacientes e, portanto, são esperados os benefícios sobre as doenças-, e não receber nenhuma recompensa para isso. Estes são os primeiros estudos em seres humanos e são indispensáveis para se seguir com o desenvolvimento do medicamento, produto ou insumo para a saúde. Isto é mais que corriqueiro nos países desenvolvidos e, em alguns como o japão, dadas as especificidades da etnia, exige-se que todos os estudos, inclusive os de fase I sejam repetidos naquele país. O PL 20/2015 em seu artigo 19º, parágrafo segundo, itens I, II, III, e IV explicita em quais condições estas pesquisas devem ser realizadas e as respectivas limitações para se poder participar como voluntário. Estes estudos são equivocadamente descritos na matéria como “objetos de transação comercial” o que nos parece uma aleivosia, pois inúmeras instituições, sejam públicas ou privadas, são obrigadas a fazê-los se desejarem desenvolver um medicamento em todas as suas etapas. O conhecimento gerado, torna-se, naturalmente, um bem público, pois estes estudos são publicados e seus relatórios disponibilizados para uso posterior.
Sobre os estudos em situações qualificadas como emergências médicas, é importante frisar que nestas condições, o consentimento é obtido como descrito no artido 17º. parágrafo 6. Esta sugestão foi intermediada por pesquisadores de uma das mais importantes instituições do Brasil, a FIOCRUZ, e nos parece mais que pertinente, pois a janela de inclusão de voluntários em estado comatoso ou cuja morbidade prejudica ou impossibilita consentir de modo efetivo, uma vez que é curta. Além disso, pode ocorrer algo que impeça o respectivo responsável legal de estar presente numa situação similar; trata-se de uma situação crítica e os estudos são de extrema importância com benefícios indiscutíveis para os pacientes. O PL 200/2015 prevê claramente as situações (pargágrafo 7º.) em que o consentimento poderá ser retirado sem que sobre o voluntário da pesquisa recaia qualquer ônus ou prejuízo.
Quanto ao aludido no 15º item, os artigos 21º e 22º do PL 200/2015, se contrapõem ao que foi afirmado no texto “cebes” e acreditamos que comentários adicionais podem ser dispensados.
No que se refere ao “uso experimental fora do contexto do ensaio clínico”, não se depreende do texto do PL 200/2015 qualquer afirmativa que possa dar o devido respaldo ao que foi arguido. O PL 200/2015 diferencia bem em suas definições o que seja um ensaio ou uma pesquisa clínica, termos usualmente confundidos pelos menos estudiosos sobre a matéria. Se se quer tratar da continuidade do uso do medicamento pós-estudo ou uso compassivo, também o PL 200/2015 discorre claramente sobre o assunto, até porque é um direito do sujeito ou voluntário da pesquisa, confome explicitado. Para isso, existe legislação sanitária disponível que regulamenta o assunto. Não for o caso, como se justificaria a continuidade do tratamento pós-estudo, caso haja risco de morte ou não se ter alternativa terapêutica disponível no país? Verdadeiro é que, fora do contexto de um estudo clínico, são necessárias medidas de proteção adicionais, previstas na respectiva legislação sanitária em vigor no Brasil
Sobre as afirmativas do aludido texto de contraposição ao PL 200/2015, referentes ao “direito de acesso ao medicamento pós-estudo”, entende-se que estas assertivas não consideram o que está no texto do PL 200/2015, uma vez que os artigos 28º e 29º indicam claramente que, sem haver alternativa terapêutica no país ou quando há risco de morte, é obrigatório o fornecimento do medicamento pelo tempo necessário, usualmente a critério médico, resguardada a legislação sanitária em vigor.
Não se entende o porquê da referência que se faz na afirmativa no item 18º. do referido texto “cebes”, uma vez que infrações sanitárias remetem a esta Lei (6437 de 20 de agosto de 1977), além das sanções civis e penais cabíveis. as delegações estabelecidas também pela lei 6360/76 ou outros dispositivos legais e da legislação sanitária, onde couber.
Quanto às considerações finais do texto publicado no site do “cebes”, nos comentários anteriores explicitados por nós, frisamos a infralegalidade e inconstitucionalidade das resoluções do CNS, conforme parecer do eminente constitucionalista Luís Roberto Barroso, com se lê a seguir, em resposta a um dos quesitos a ele formulados: “
2 – Queira o parecerista avaliar se a Lei nº 8080/90, ao delegar a disciPLina acerca dos padrões éticos para pesquisa à Administração Pública, o fez de forma válida.
Não. O art. 15, XVII, da Lei nº 8.080/90 não encerra, a rigor, uma delegação legislativa para que o Executivo disciPLine os padrões éticos a serem observados em pesquisas clínicas com seres humanos. E ainda que se pudesse extrair semelhante delegação do dispositivo referido, essa seria inválida. Isso porque se estaria diante de delegação não-exPLícita, de necessidade questionável e desprovida de qualquer parâmetro legal capaz de balizar seu exercício.” CONTINUA O PARECER: “. Tal delegação, contudo, não foi feita de forma adequada ao Conselho Nacional de Saúde (CNS). A Lei n° 8.142/90, que cria o Conselho Nacional de Saúde, silencia sobre o tema. E o Decreto n° 5.839/06, que a regulamentou, traz, em seu art. 2º, VII, disposição genérica, da qual tampouco se pode extrair qualquer delegação normativa ao CNS para regulamentar a atividade de pesquisa clínica no Brasil.
Ainda que essa evidência pudesse ser superada, e se desejasse extrair do Decreto a atribuição de competência ao CNS para regulamentar o tema, tal delegação (que sequer seria “legislativa”) não atenderia aos requisitos elementares de validade. Primeiro, porque não poderia um decreto regulamentar inovar na ordem jurídica, para conferir ao CNS competência – sobretudo competência para a edição de normas restritivas de direitos – não prevista em lei. Segundo, porque também aqui se estaria diante de delegação legislativa inválida: não-exPLícita, de necessidade questionável e desprovida de qualquer parâmetro legal capaz de balizar seu exercício.
Pelo exposto, entendemos que foram oferecidos – à exaustão – os argumentos necessários e suficientes como contrapontos ao texto publicado na matéria mencionada em epígrafe (cebes.org.br), no intuito de se desmitificar e desmistificar este tema, de capital importância para a saúde pública, para os pacientes e para o desenvolvimento científico e tecnológico do país. As conclusões a que chegam seus autores são inválidas, pois partem de premissas falsas e se constroem falsos argumentos que não encontram respaldo no presente texto do PL 200/2015.
O projeto poderá, pois, ser aperfeiçoado e nos manisfestamos por sua aprovação
ALIANÇA PESQUISA CLÍNICA BRASIL