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No país, o sinal verde para um novo estudo leva até quatro vezes mais tempo do que nos EUA

Foto: Roseane Barbian / Especial

Haas se diz privilegiado por ter sido escolhido para participar de pesquisa de nova droga para tratar câncer de pulmão.

Seguidor de uma rotina regrada, livre de maus hábitos ou excessos, Afonso Celso Haas se confrontou com o veredicto de câncer de pulmão em estágio avançado há dois anos. Abatido por perspectivas desalentadoras, submeteu-se a uma quimioterapia convencional pouco antes de ter a oportunidade de se voluntariar para o teste de um novo medicamento. A cada duas semanas, o comerciante de Ijuí comparece à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), uma das mais de duas dezenas de instituições participantes de uma pesquisa internacional, para a aplicação de nivolumabe, um dos remédios mais avançados da oncologia atual. Ainda em fase de avaliação, a droga não é comercializada em lugar algum do mundo, mas permite que alguns pacientes desfrutem de excelentes resultados e contribuam com o avanço da ciência.

— Sou um privilegiado. Isso me dá força e vontade de viver. Levo uma vida normal — comemora Haas.

Hoje o quadro está estabilizado, e o comerciante, aos 58 anos, investe o fôlego vigoroso da sobrevida no trabalho, na família e na mobilização por mudanças no cenário pouco produtivo da pesquisa clínica no país. A partir de uma iniciativa dele, o Senado promoverá audiência pública no dia 18 para discutir os processos regulatórios que engessam o setor. Para que mais pacientes tenham acesso a tratamentos de ponta, é preciso multiplicar o número de estudos — na última semana, o Brasil aparecia em apenas 2,3% dos 162 mil projetos cadastrados no site www.clinicaltrials.gov, banco de dados do governo americano que disponibiliza informações globais. Com 46,4%, os Estados Unidos lideram o ranking.

Um dos principais entraves é a morosidade dos trâmites burocráticos. Enquanto um projeto é avaliado pelas autoridades americanas, britânicas e francesas em três a quatro meses, no Brasil o prazo médio salta para 10 a 14 meses, para que só então, no caso de aprovação, a convocação de participantes possa começar. Como muitas vezes as pesquisas congregam entidades de diversos países, o Brasil é privado da chance de embarcar em iniciativas importantes. Quando está, finalmente, autorizado a prosseguir, os parceiros estrangeiros já avançaram muito. De acordo com a Interfarma — Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa, o Brasil perdeu, nos dois últimos anos, 64 estudos, 23 deles relacionados a patologias com risco de morte, como o câncer. Estima-se que mais de 3 mil pessoas deixaram de ser favorecidas.

— Quanto mais dificuldades se impõem, menos estudos vêm para cá, menos pacientes têm acesso à medicação, menos instituições têm oportunidade de se qualificar, menos investigadores têm acesso à tecnologia. O nosso potencial é muito maior do que estamos mostrando agora — avalia Gustavo Werutsky, oncologista do Hospital São Lucas e diretor científico do Grupo Latino-Americano de Pesquisa em Câncer.

Segunda causa de morte no mundo, atrás somente dos problemas cardiovasculares, o câncer deve atingir o status de epidemia em um período de 10 a 15 anos, estabelecendo-se na primeira colocação. Enquanto nações desenvolvidas exibem um melhor desempenho no combate à enfermidade, colhendo benefícios dos incentivos à pesquisa e de sistemas de saúde melhor estruturados, os países em desenvolvimento podem se tornar responsáveis por dois terços dos óbitos de origem cancerígena.

Inovação chega por último ao SUS
Uma pesquisa clínica com medicamentos surge para verificar a eficiência de uma droga nova em comparação a outra já existente. Pode abranger milhares de voluntários, selecionados com base em características do quadro clínico (nem todos os candidatos são elegíveis para as vagas), e se estender por até 10 anos. Ao final da investigação, caso o remédio A se prove superior ao B, encaminha-se um pedido de registro aos órgãos competentes, que avaliam a eficácia e a segurança do produto. O primeiro lugar a liberar a comercialização costuma ser os Estados Unidos, por meio do Food and Drug Administration (FDA).

No Brasil, a encarregada é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Se há demora ou o registro é negado, pacientes com recursos recorrem à compra no Exterior, o que pode significar um investimento de milhares de dólares por mês. Quando a droga é aprovada, fica acessível primeiro aos clientes da rede privada e dos planos de saúde, quando há cobertura para tal. O Sistema Único de Saúde (SUS) é o último destino — enquanto não podem receber os remédios mais avançados, muitos usuários da rede pública os requisitam por via judicial. Celeridade nas deliberações e mais clareza para os critérios que determinam a aprovação e a recusa de registros são duas reivindicações frequentes entre a classe médica.

— O melhor que se tem no mundo não está disponível pelo SUS — constata Carlos Barrios, professor da Faculdade de Medicina da PUCRS e diretor do Instituto do Câncer do Hospital Mãe de Deus. — Quem participa da pesquisa clínica vai ter acesso ao melhor tratamento possível. Quanto mais estudos tivermos, mais pessoas serão beneficiadas. Os avanços tecnológicos entram nos países desenvolvidos rapidamente e demoram a estar disponíveis nos países em desenvolvimento. Pessoas morrem por causa disso — acrescenta.

Gilberto Schwartsmann, chefe do Serviço de Oncologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, considera que atrasos e pouca eficiência estão entre "nossas dores do subdesenvolvimento", mas enxerga progressos ao longo das duas últimas décadas.

— É a estrutura de saúde de um país de terceiro mundo: tem burocracia, tem qualidades, tem defeitos. Está muito longe de ser o que a gente gostaria, mas já melhorou muito. Os processos eram muito mais obscuros — lembra.

Ana Krepsky, 39 anos, usa gratuitamente o crizotinib, droga não autorizada pela Anvisa. Diagnosticada com um câncer de pulmão há três anos, a cardiologista segue tomando os comprimidos mesmo após a conclusão do estudo do qual fez parte porque continua se beneficiando da terapia. Não fosse o protocolo da PUCRS, a alternativa seria a importação, com custo estimado em R$ 8 mil a R$ 10 mil mensais. O laboratório fabricante deve ingressar com outro pedido de avaliação na agência governamental.

— Os estudos oncológicos são um pouco diferentes de todos os outros. É tudo ou nada. A gente não tem muita coisa a perder. Os efeitos colaterais são mínimos. É a única maneira de conseguir o remédio que está me mantendo aqui, superbem — diz Ana.

OS PRINCIPAIS ENTRAVES À PESQUISA CLÍNICA NO BRASIL

BUROCRACIA
Um estudo clínico precisa passar pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da instituição participante, o que no Brasil costuma levar, em média, de um a dois meses. Depois, é necessário o aval da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), ligada ao Ministério da Saúde, que centraliza todas as aprovações. É nessa etapa que a demora é maior: a avaliação consome até um ano, o que faz do Brasil o país que mais atrasa esses trâmites. Se a pesquisa prevê o uso de medicamentos ou o envio de material biológico dos participantes a uma instituição no Exterior, necessita também do consentimento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Como avançar: descentralizar a avaliação dos projetos, incrementar as equipes técnicas, para que seja possível diminuir o tempo de análise nos comitês de ética, e tornar a legislação menos restritiva à participação de instituições nacionais em iniciativas estrangeiras.

POUCO INCENTIVO

O Brasil investe pouco em pesquisa e desenvolvimento. Hoje, apenas cerca de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) é destinado a inovação. Por aqui, o paciente de um estudo clínico acaba se tornando caro devido à falta de financiamento para exames e procedimentos convencionais que, em outros países, são custeados pelo sistema de saúde, por serem rotineiros. Nos Estados Unidos, por exemplo, o patrocinador do estudo banca somente os exames e os procedimentos que estão fora do tratamento padrão. Se uma paciente com câncer de mama tivesse de se submeter a uma tomografia de rotina, independentemente de estar integrando o estudo ou não, o sistema de saúde cobriria os custos. No Brasil, esse valor acaba recaindo sobre o patrocinador ou o investigador, onerando e dificultando a pesquisa.

Como avançar: investir mais em pesquisa e desenvolvimento e rediscutir aspectos legais muito restritivos, permitindo o desenvolvimento de estudos nacionais, que atendam a necessidades locais.

DESCONHECIMENTO DA SOCIEDADE
Pesquisadores ainda esbarram em forte resistência na hora do recrutamento dos participantes. Alguns pacientes temem se tornar cobaias de um experimento que pode, de alguma forma, prejudicá-los.

Como avançar: apostar na educação da população quanto à segurança da participação em um estudo clínico. O processo é benéfico para todos os envolvidos: o paciente recebe um tratamento de ponta, o cientista assume um papel ativo na produção de conhecimento, a instituição recebe recursos e mantém postos de trabalho, o sistema público de saúde deixa de gastar com esses participantes e o país ganha credibilidade no Exterior.

FALTA DE PESSOAL

Com os empecilhos regulatórios, o número de farmacêuticos, biólogos, enfermeiros e médicos interessados em pesquisa clínica está diminuindo. Empresas farmacêuticas acabam reduzindo os investimentos na área e encolhendo os setores dedicados a estudos.

Como avançar: aprimorar a legislação e corrigir processos que retardam a aprovação de projetos, o que permitiria aumentar o volume de estudos com participação do Brasil, gerar empregos e qualificar recursos humanos.

Fonte: Zero Hora - Notícias

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