Com um dos sistemas de avaliação mais lentos do mundo, país perde a chance de investigar tratamentos inovadores para doenças graves como câncer, diabetes e dengue.
Os prejuízos causados pela burocracia na avaliação da pesquisa clínica no Brasil vão muito além da longa espera pela autorização dos órgãos regulatórios. Efeitos imediatos como a exclusão do país em testes multicêntricos internacionais, a estagnação do conhecimento científico, a redução de investimentos e até mesmo o fechamento de centros de referência e o desemprego de mão de obra especializada vêm comprometendo a competitividade brasileira neste setor.
“A falta de um modelo regulatório mais transparente, que garanta o cumprimento de prazos, têm trazido danos aos pesquisadores e principalmente aos pacientes. Todos estão perdendo oportunidades únicas de se beneficiar com a corrida mundial em busca por tratamentos eficazes e inovadores”, alerta o médico Eduardo Motti, coordenador da Aliança Pesquisa Clínica Brasil, movimento que reúne representantes de pacientes, médicos, pesquisadores e farmacêuticas com o objetivo de debater e propor soluções para agilizar a análise dos estudos.
Em Salvador, o Centro de Pesquisa Clínica (Cepec) já recrutou cerca de 3.000 pacientes em 50 protocolos de pesquisa ao longo de 15 anos de atividades em parceria com as Obras Sociais Irmã Dulce, tradicional complexo médico-hospitalar da capital baiana que conta com mais de mil leitos e 1.500 atendimentos ambulatoriais diários em 32 especialidades. Porém, o número de estudos novos vem diminuindo pela incerteza no cumprimento de prazos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), órgãos do Ministério da Saúde responsáveis pela regulação dos estudos clínicos no país.
Entre 2012 e 2013, o Cepec e cerca de 880 pacientes deixaram de participar de seis estudos importantes que foram cancelados devido à demora na avaliação regulatória. Segundo o médico Edson Duarte Moreira Júnior, chefe do Laboratório de Epidemiologia Molecular e Bioestatística da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) na Bahia, instituição parceira da Cepec, as pesquisas tinham como foco doenças como HPV (Papilovírus Humano), diabetes mellitus tipo 2, câncer de próstata, artrite reumatóide e dengue. Em 2009, o Cepec e 60 mulheres também ficaram de fora de um estudo internacional sobre tratamento de sintomas vasomotores após a menopausa. “O efeito danoso não se limita à extensa lista de estudos suspensos. O pior é que o Brasil está sendo preterido pelos patrocinadores de estudos multinacionais em razão destas experiências frustrantes”, avalia Dr. Moreira.
“A indústria não vai cortar investimento em pesquisas de remédios, pois esse processo de investigação é contínuo e promissor. O problema é que o Brasil está sendo descartado dessa linha de frente da ciência da saúde”, explica Dr. Freddy Goldberg Eliaschewitz, coordenador do CPCLIN em São Paulo, que perdeu quatro estudos liderados pelos EUA e outro por um país europeu nas áreas de diabetes e artrite reumatóide. Ele reclama que, atualmente, os processos se acumulam desnecessariamente nos órgãos porque as emendas dos protocolos precisam de duplo aval no CEP e na Conep. Antes das últimas normas aprovadas em 2013, observa o médico, o CEP tinha autonomia para fazer a avaliação final dos protocolos e de eventuais emendas.
“O único atrativo do Brasil hoje para quem produz pesquisa clínica é o empenho dos pesquisadores que, juntamente com os patrocinadores dos estudos, conseguem ainda testar pacientes com acesso a atendimento e remédios de ponta”, ressalta Dr. Eliaschewitz.
Lentidão recorde – Enquanto os líderes mundiais em pesquisa – Estados Unidos, União Europeia, Coreia do Sul, Canadá, Japão e Austrália – avaliam um estudo clínico em até 90 dias, a média nacional é de 12 meses, prazo que pode ser maior caso os órgãos exijam ajustes dos protocolos e tenham que conferir novamente essas pendências. O Brasil é o único país no mundo que exige uma aprovação tripla para cada estudo, que se inicia em um dos cerca de 700 Comitês de Ética em Pesquisa (CEP), distribuídos em cada região, e se concretiza na Conep e Anvisa.
“A Argentina enxergou bem a oportunidade de atrair mais investimentos estrangeiros na saúde. Mudou toda sua regulamentação para que os protocolos clínicos sejam aprovados em até três meses”, informa Dr. Eliaschewitz.
Outros entraves – De acordo com a Associação Brasileira das Organizações Representativas das Pesquisas Clínicas (Abracro), entre janeiro de 2013 e março de 2014, sete empresas brasileiras do setor de pesquisa clínica fizeram 812 solicitações de licença de importação de materiais e medicamentos para desenvolvimento de estudos. O órgão demorou em média 13 dias para liberar os pedidos e em alguns casos concluiu os processos apenas após mais de três meses. “A Anvisa poderia seguir o exemplo dos EUA e de alguns países europeus, que liberam automaticamente a importação para os estudos aprovados”, observa Eduardo Motti.